5 de novembro de 2008

Direitos Humanos e a luta pelo socialismo


Autor: Wanderci Silva Bueno

Militante do Movimento Nacional de Ocupação de Fábricas e da Esquerda Marxista.

Belo Horizonte, 05 de novembro de 2008

Apresentação

 

         Durante certo período da ditadura militar os movimentos sindicais e populares tinham extrema unidade na ação. Com a fundação da CUT e a progressiva aproximação de suas direções com os programas de alianças de classes, com seu afastamento da luta pelo socialismo, rompeu-se aquela unidade conquistada na luta. Os movimentos populares, embora tenham crescido em número e muitos em qualidade, correm o risco de - permanecendo isolados e desconectados dos movimentos e lutas dos trabalhadores, transformarem-se, por mais que se esforcem suas direções - serem capturados para o terreno da colaboração com a burguesia ou permanecer nos limites necessários, mas estreitos das lutas reivindicativas.

         A unidade entre o movimento popular e o movimento dos trabalhadores é a base para as futuras lutas revolucionárias e certamente daí surgirá os conselhos, as assembléias populares, comitês operários e camponeses, os germes de uma nova sociedade socialista.

         O texto que segue abaixo é uma tentativa de colaborar na via da batalha por essa unidade e pela independência política de todos os movimentos frente à burguesia e seu Estado.

         Dirigi-o em especial aos lutadores pelos Direitos Humanos e aos Movimentos Populares. Solicito que encarem esta contribuição como uma fraterna colaboração que, longe de querer ditar orientações e regras, tem a intenção única de apenas se somar na luta dos milhares que se espalham por esse país.

 

1.      PASSADO E PRESENTE

 

         Historicamente o Brasil tem sido marcado por segregações e desigualdades sociais monstruosas que estiveram sempre entrecortadas por largos períodos de ditaduras ou governos de cunho democrático-burguês, todos assentados em compromissos com as potências imperialistas, sempre se utilizando da repressão como método para conter as mobilizações sindicais e populares.

         No capitalismo, desde a Velha Republica e já antes, no império português, sempre os poderosos trataram de aprofundar as desigualdades e, por meio delas e da exploração, promoveram constantemente a miséria, punindo os que se mobilizaram, seja com prisões, torturas e assassinatos, seja com processos e até mesmo extradições. Em épocas mais brandas, o extermínio pela fome e pela repressão cotidiana são os métodos preferidos. Os mais perversos.

         Marx nos Manuscritos Econômicos e Filosóficos dizia:O trabalhador fica mais pobre à medida que produz mais riqueza e sua produção cresce em força e extensão. O trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do mundo dos objetos. O trabalho não cria apenas objetos; ele também se produz a si mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em que produz bens”.

            Mas a classe trabalhadora, além de produzir, também luta e se coloca em movimento contra a ordem estabelecida, em defesa de seus direitos e por novas conquistas. E desde sempre, desde que existem burgueses e proletários, o aparato repressivo do Estado, as suas leis, suas policias e exércitos, são colocados à disposição da burguesia para fazer cumprir a defesa de seu Estado de Direito, de sua democracia, e de suas liberdades.

         As ações políticas e econômicas da burguesia, em um país semi-dependente e semi-atrasado como o Brasil, não são ações de uma burguesia em luta por sua afirmação e independência, são sim, pelo contrário, ações de subordinação ao imperialismo e, por isso, jamais podem ser progressistas. Invariavelmente, por meio de vários mecanismos, sendo o principal deles a repressão, a burguesia tem conseguido preservar seu espaço e apropriação das riquezas criadas pelo trabalho das massas proletárias, enfrentando as suas mobilizações, em vários casos, pelo esmagamento físico, em outros, pela cooptação das direções dos movimentos. A burguesia não suporta a democracia direta das massas.

         Para as burguesias atrasadas, onde o capitalismo implantou-se tardiamente, quando já se expandia o imperialismo, falar em liberdades e igualdades é mero exercício de fé em algo que desde seu nascedouro foi transformado em letra morta. Esse é o caso do Brasil. Isso não que dizer que nos países centrais os direitos humanos não estejam sendo atacados pelas burguesias. Na época da barbárie é necessário quebrar todas e cada uma das conquistas operárias e populares.

É nesse contexto de barbárie e revoluções que surge a carta dos direitos humanos.

         A Declaração Universal dos Direitos Humanos, escrita e adotada depois da segunda guerra mundial em 1948, 100 anos depois do Manifesto Comunista escrito por Karl Marx, vem a público, em um momento onde os imperialismos e as burguesias foram obrigadas - temendo as avassaladoras lutas operárias que tomavam o poder em vários países e em outros avançavam  ameaçadoramente - a realizar concessões aos trabalhadores. Não é um mero acaso que a Declaração Universal diz em seu preâmbulo:Considerando essencial que os Direitos Humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão”, ou seja, os Direitos Humanos deveriam ser instrumentos do Estado burguês para conter a onda revolucionária que ameaçadoramente avançava na Europa e em todo o mundo e ao mesmo tempo meio pelo qual regulava algumas das concessões arrancadas pelo proletariado em luta.

            É interessante notar que as tiranias, a opressão, parecem não ter nada que ver com os monstruosos regimes fascistas, nazistas e ditatoriais engendrados pelo capitalismo, quando ele já não conseguia conter as mobilizações em níveis razoáveis de tolerância e quando era necessário dar um novo salto no processo de acumulação e expansão do império pelo mundo, por meio das guerras e anexações.

         Se observarmos o numero de mortos na segunda grande guerra mundial poderemos melhor entender o que pretendo explicar: mais de 50 milhões de mortos e mais de 20 milhões de mutilados, sendo que na primeira guerra mundial foram exterminadas 20 milhões de vidas!

 

                                                         Países        /     Mortos durante a II Guerra

URSS                       17 000 000

Alemanha                   5 500 000

Polônia                       4 000 000

China                          2 200 000

Iugoslávia                   1 600 000

Japão                         1 500 000

França                           535 000

Itália                              450 000

Grã-Bretanha                396 000

EUA                              292 000

 

         Nos anos mais recentes as carnificinas não cessaram: Bósnia, Kosovo, Faluja, Somália, Afeganistão, Paquistão, Irã, Iraque, Palestina, Haiti, Vietnã, Coréia. Eis os exemplos de direitos humanos praticados pela burguesia em todo o mundo. Quão ocas soam as frases da Declaração:

Considerando essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações.

            Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla,...”

            Vejamos ainda outro aspecto: a fome.

         Calcula-se que 815 milhões, em todo o mundo sejam vítimas crônicas da fome ou de grave subnutrição, a maior parte das quais são mulheres e crianças dos países atrasados, dependentes do imperialismo onde a “falta” de alimentos mata uma criança a cada cinco segundos ou levam à morte, todos os anos, mais de cinco milhões de crianças, inclusive nos chamados países desenvolvidos.

         Vejamos outros dados e aí vamos ter um quadro claro de porque os Direitos Burgueses são, em sua gênese, os Direitos de um punhado de capitalistas explorarem milhões de miseráveis.

         Segundo a revista Forbes o Brasil tem 17 ricaços com patrimônio superior a US$ 1 bilhão de dólares e o número de bilionários dobrou nos últimos anos. Os irmãos Joseph e Moises Safra, do Banco Safra, são os mais ricos do Brasil:US$ 7 bilhões e 400 milhões.

         Em 2006, o mundo passou a abrigar um número recorde de 793 bilionários. Juntos, eles somam um patrimônio líquido de US$ 2 trilhões e 600 bilhões de dólares, a maioria deles banqueiros. Talvez isso explique o porquê deles amarem tanto o governo Lula e fazerem doações para a campanha “fome zero”.

 

2.    O QUE FAZER?

 

         O exposto acima se torna mais ultrajante se considerarmos que só a Argentina seria capaz de produzir trigo para abastecer todo o mundo com pão. Onde está o centro do problema então?

         Muitos podem estar se perguntando: então devemos abandonar a luta pelos direitos humanos? Absolutamente, não. É justamente o contrário.

         Os dados acima confirmam que os Direitos das Maiorias (trabalhadores, desempregados, negros, prostitutas, crianças, idosos, etc.), estão subordinados aos Direitos das Minorias (banqueiros, fazendeiros do agronegócio, industriais, grandes negociantes e investidores).

         Para que os movimentos sindicais e populares rompam com esse quadro é necessário erguer um sistema onde os Direitos da Maioria sejam colocados por sobre os direitos das minorias. E esse sistema só pode estar fundado na abolição da propriedade privada dos meios de produção, que erga o Estado de Direito dos Proletários e Oprimidos: o socialismo.

         Por isso, os sinceros defensores dos Direitos Humanos devem buscar a associação de suas lutas à luta pelo socialismo, à luta para pôr fim ao sistema baseado na exploração e na propriedade privada dos meios de produção. Enquanto estas existirem existirá miséria e não direitos.

         Na época do imperialismo, do capital monopolista, das guerras e da barbárie, as bandeiras das liberdades democráticas, a defesa dos Direitos Humanos, ficaram definitivamente nas mãos da classe operária e estas devem ser permanentemente entrelaçadas às lutas pelo socialismo. Não devemos nos abdicar jamais de travar esse combate. Ao mesmo tempo devemos denunciar e desmascarar as posições reformistas e conciliatórias, procurando impulsionar a luta na via da ruptura total com a burguesia.

         Apesar de que nas sucessivas Constituições Brasileiras estar escrito que: “Perante a lei todos são iguais, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”, a burguesia e seu Estado, por séculos, têm se empenhado em tratar e perpetuar mulheres, negros, trabalhadores e pobres como desiguais e subalternos perante os homens ricos e proprietários. Aos primeiros, que são mais de 80% da população nacional, oferece-lhes obrigações e o direito de sobreviver na miséria, aos segundos, os direitos da dominação e exploração, os privilégios e a propriedade privada dos meios de produção, o direito de assassinar, reprimir, prender e torturar.

         No Brasil, ao longo de sua história, um conjunto de mobilizações, até mesmo sangrentas, marcou a resistência dos setores explorados e oprimidos que recusam permanentemente as condições de párias e de subalternos. As conquistas que se conseguiram no terreno dos direitos e da cidadania foram frutos das batalhas dos trabalhadores e da população pobre. Jamais foram dádivas da burguesia. Muitas das conquistas – senão todas – elas foram arrancadas pelas lutas, muitas violentamente reprimidas. Recordemo-nos de Palmares, dos Quilombos, de Canudos, Balaiada, Farrapos, heróicos movimentos que enfrentaram a mais crua repressão. Recordemo-nos da ditadura Vargas e das ditaduras pós-64. Recordemo-nos de Eldorado Carajás, das prisões e assassinatos de sindicalistas e dos líderes estudantis, de trabalhadores que lutavam e lutam por seus direitos.

 

3.    O PRESENTE E O FUTURO

 

         Agora, mais recentemente, no governo Lula a repressão, as prisões e os assassinatos não cessaram. O interdito proibitório, criação de FHC, está de pé. O governo Lula, pactuado com o imperialismo, com a burguesia, tomou militarmente as fabricas ocupadas pelos trabalhadores, a Cipla e Interfibra, em Joinville/SC.

         Os capangas dos latifundiários matam os Sem-Terra, o movimento popular é criminalizado, dirigentes sindicais são demitidos. Há uma escalada repressiva e, com o advento da crise mundial, com o qual já estamos enfrentados no Brasil, certamente as lutas ficarão mais duras e o embate classe contra a classe se expressará em um grau mais elevado e a defesa de cada conquista será um ponto de apoio para seguir adiante.

         Lula e seus Ministros, representantes da burguesia, se recusam a aprovar a abertura dos arquivos da ditadura. Recusam-se a trabalharem pela punição dos torturadores e assassinos a mando do regime militar ou dos para militares acobertados pelo Estado Policial-Militar.

         Temos que travar a batalha para derrotar os aliados da ditadura e dos reacionários militares que seguem pululando nos bastidores ou em cargos importantes do governo. O povo elegeu Lula para ele realizar mudanças e não para ele acobertar os crimes da ditadura e seus criminosos, permanecendo indiferente e omisso diante dos assassinatos no campo, conivente com a intervenção militar nas fábricas ocupadas, procurando atrelar os sindicatos e a CUT cada vez mais ao aparelho de Estado.

         Para enfrentarmos essa situação é importante ampliar a unificação das lutas pelos Direitos Humanos, somando-as às lutas sindicais, ao Movimento de Ocupação de Fábricas, aos Sem-Terra, Sem-Teto e demais movimentos de lutadores e lutadoras, abrindo caminho para um movimento nacional pelas liberdades democráticas e pelo socialismo.

            Somamo-nos às bandeiras e lutas aprovadas na III Conferencia Estadual de Direitos Humanos, na qual participamos juntos com nossos companheiros e companheiras do Instituto Helena Greco e das Brigadas Populares, aos quais ficamos devendo nossos agradecimentos à extrema sensibilidade e apoio que prestaram à aprovação da Moção em defesa das Fábricas Ocupadas, exigindo o fim da intervenção nas fábricas CIPLA e INTERFIBRA.

Belo Horizonte, 5 de novembro

Wanderci Silva Bueno

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